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22.1.11


O texto abaixo, apesar de modificado para o blog, é parte de um livro que há algum tempo estou escrevendo, o qual surgiu inspirado em uma história, mas que está sendo sobre várias... parte considerável é autobiográfica, parte apenas verossímil com vivências e resquícios de lembranças e impressões do que vivi. O restante, só literatura...


CAPÍTULO I



Então é isso, pensou Artur, coberto por um pala de lã de carneiro já surrado pelo tempo, sentado na antiga cadeira de balanço, que antes já fora uma bela e vigorosa árvore de jacarandá, como aquela no pátio gramado em frente a varanda da casa, onde estava a observar os raios do sol a derreter o orvalho naquele úmido e ensolarado alvorecer de outono.


Pegou a garrafa térmica que estava no chão, derramou a água quente na cuia, observando o revolver e sentindo o cheiro da erva-mate.


Quase como se fosse um ritual, ajeitou, cuidadosamente, a cuia em suas mãos de pele fina e enrugada, mexeu na bomba e começou a sorver.


Sorveu não só a água do chimarrão, que agora lhe aquecia o corpo, mas também lembranças dos áureos tempos, o que lhe aquecia a alma e o coração.


Então é isso, resmungou ele para si mesmo, entre um gole e outro, como se tivesse descoberto, lá no fundo de sua mente, algo valiosíssimo.


Deparou-se, de repente, com Diego, seu primo, amigo e irmão, a lhe contar peripécias inimagináveis. Mas sabia que eram lembranças, e que era o tempo a lhe pregar uma peça.


*


A lembrança de Diego sentou-se ao seu lado e ficou a olhá-lo, parecendo saber exatamente o que estava ele a pensar – e sentir – em suas lembranças. Ou apenas, quem sabe, esperando que lhe fosse oferecida uma cuia de mate, bem quente, como gostava...


De tão viva, quase palpável parecia ser aquela lembrança ali ao seu lado, com seus cabelos dourados compridos, como quando da última vez que o vira.


Após alguns instantes de lembranças nostálgicas, em que pensou pela milionésima vez no que poderia ter feito e não fez em algumas situações que determinariam o rumo de sua vida, principalmente sua vida amorosa, se viu pensando alto, como se Diego estivesse de fato ao seu lado:


- pois é, Diego, a vida é assim mesmo. Deixa-se para depois, e quando se percebe, o depois já é passado, e no passado não se faz mais nada, não se mexe. Aí, corre-se o risco de esse nada, um vazio, ser a parte maior de nossa vida.


Novamente, seu amigo nada lhe disse. Apenas sorriu, levantou-se e saiu calmamente, descendo os degraus da varanda e atravessando o gramado, sem acenar nem olhar para trás. Apenas se foi. Mas Artur sabia que hora ou outra ele voltaria para lhe fazer companhia, mesmo que apenas por alguns minutos, que eram minutos de uma felicidade um tanto distorcida, borrada, mas, ainda assim, de felicidade.


Sim, de felicidade, talvez pelo fato de Artur saber que Diego de fato não estivera ali, que era apenas uma lembrança, talvez um espectro ou uma projeção sua, pois há praticamente meio século aqueles cabelos dourados haviam sido deixados sete palmos abaixo da terra, em uma triste cerimônia de despedida em um cemitério repleto de jovens, amigos, colegas e familiares, desesperadamente tristes e desolados por terem que se despedir de forma tão abrupta daquele amigo tão querido, daquele que mesmo em situações difíceis sempre sorria e levava ânimo a todos com um brilho estranhamente esperançoso no olhar.


Olhar que se esvaiu, que se perdeu no infinito das possibilidades, agora póstumas e inalcançáveis para aquele olhar, deixando muita saudade.


Mas as inúmeras, as incontáveis boas lembranças serviam de consolo sempre que a saudade beirava o insuportável, como se mesmo distante, Diego continuasse se dedicando a sorrir e trazer ânimo, alegria e força para que se continuasse em frente, mesmo que a cada dia ele ficasse mais distante, e ainda assim, tão próximo...




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por Marco Vicente Dotto Kohler, em...

3 comentários:

Ramom Martins disse...

Cara, que texto bonito, Marco. Puts, mto bom mesmo cara. Duvido q alguem tenha lido e não tenha lembrado, de uma maneira bonita, de algo q não volta mais. O texto é mto profundo, tanto pelo tema e tanto pelo teu jeito de escrever.
Parabens Marco, continua postando aí e divulgando q eu vou ler e comentar em todos.
Um abraço Marquito, hehe
=D

Marangoni disse...

Marco, vou comparar, só comparar sem preconceitos ouviu: parece Laura Trevisan, em "O Guarda-Roupa Alemão". Entenda como algo positivo, não sei se já chegasse a ler algo dela, ou o próprio livro supracitado. Teu texto tem aldo de doce, de puro, de honesto e também algo de melancólico, de inaudível. Muito bom, me fez ficar curioso pela continuação da história...
Abraços
Igan Hoffman

http://diariodeigan-h.blogspot.com
http://aportaestreita123.blogspot.com

Kelvim Vargas Inácio disse...

Muito bom... Muito bom mesmo!
Aquele abraço!
http://segunda-dose.blogspot.com