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29.8.06

O mundo não é mais o mesmo.

Na noite anterior, ao deitar-se, sentiu algo estranho, como nunca havia sentido antes. Sempre deixava aberta a janela do seu quarto, no terceiro andar de um prédio de um pequeno condomínio residencial.
Gostava de ver o céu, as estrelas... Não entendia como o homem podia se julgar a sós nesse universo tão vasto, cheio de mistérios. Teorias. Pensava serem mais próximas de uma possível “verdade” as teorias que lera certa vez no livro “Eram os Deuses astronautas?”, cujo autor não se recordava. Mas o admirava.
Naquela noite, porém, não conseguiu deixar a janela aberta. Algo havia mudado, mas ainda não compreendia o quê, mas sabia que daquele dia em diante sua vida não seria mais a mesma. Nunca mais.
A noite passou.Acordou. Levantou-se da cama, foi ao banheiro. Em frente ao espelho não conseguia se reconhecer. Também não sabia o que havia mudado. Mas havia. Assimilar era questão de tempo.
Tomou o café da manhã. Saiu do apartamento. Desceu as escadas. Tudo aparentava uma certa normalidade, mas, desconfiado, preferiu manter-se atento e cauteloso. Tinha razão em ficar alerta. Mal sabia o que o aguardava além porta do prédio.
Sentiu um arrepio na nuca, como se alguém tivesse assoprado-lhe levemente. Pensou por um segundo e resolveu olhar para trás para certificar-se de que não havia ninguém ali. Virou-se e olhou, enquanto abria descuidadamente a porta à sua frente. De fato não tinha ninguém no corredor, atrás dele, mas, ao olhar para frente, já com a porta aberta, ficou sem reação. Imóvel. Estático. Pasmo. Estarrecido, enfim.
O que via diante de si não podia ser verdade. Não podia acreditar. Mas acontecera.
Mesmo com a reunião de mais de três mil dos mais bem capacitados cientistas do mundo todo para solucionar o problema, não fora possível evitar o triste fim. Era o caos: seu mundo ruíra. Não havia mais o que fazer, senão aceitar o que o destino lhe impusera sem dó nem piedade: “Plutão não era mais um planeta”, dizia a manchete, e, abaixo “é considerado agora um planeta-anão”.
Como viveria de agora em diante, sabendo que Plutão não é mais um planeta, mas um planeta-anão? Não sabia. Ninguém poderia saber.Mas tinha certeza de que a vida no planeta Terra nunca mais seria a mesma, nem para ele, nem para qualquer outro dos seis e tantos bilhões de habitantes após esse fato de vital importância.

26.8.06

Lembranças de minha infância querida...

...De minha maluquice agora expandida...

Lembro quando, na aurora (não o frigorífico) dos tempos de minha vida tinha de receio de ter cabelo no saco e embaixo dos braços, por temer morrer de calor.
Lembro de quando não entendia por quê a nota vermelha era sempre preta, e, de vermelho, nada tinha.
Lembro de quando o cheque furado estava inteiro, o borrachudo não esticava e o voador não voava. Que decepção.
Lembro de quando a conta do banco estourava, mas quando lá chegava, estava tudo inteiro, sem fumaça nem destroços... Oh! Mistérios!

Lembro da rua sem fim, que para mim era a única que terminava.
Lembro de quando eu era o Romário, o Bebeto, Dunga ou Taffarel, jogando bola descalço num campo de terra.
Lembro de quando dormia; de quando acordava; de quando o dia era longo, de quando o natal nunca chegava... Ah! Entenda-se Einstein!

Lembro de quando rezava à noite deitado na cama, e Deus só me ouviria se eu estivesse com os olhos pro teto, pois se estivesse de bruços, quem me ouviria seria o diabo... Quanto formalismo!
Lembro de quando não gostava de dormir com as meias nos pés pois lembrava de uma música em que o cantor iria dormir de meias pra virar burguês. Lembro que nunca entendi isso direito.

Lembro de quando queria ser mais velho para largar a bicicleta, dirigir carro e ir para as festas. Agora só queria economizar gasolina, imposto e seguro, subir na bicicleta e pedalar o dia todo, sem ter hora para sair nem para chegar!
Lembro de quando, para mim, não havia economia nem inflação, só tinha mickey, pateta e bicicleta, bola e na televisão não tinha edição nacional nem linha direta.

Lembro do que eu lembrava que não queria esquecer, e já não sei mais o que é.
Lembro do que quero lembrar do que lembro do ontem que agora é mais ontem, do amanhã que será hoje, será passado. Ou nunca será.

17.8.06

Conto - II

Mas...

Viu-a, pela primeira vez em frente a uma estante em um corredor de uma livraria.
Ele, procurando, ansiosamente por um determinado livro, que há muito desejava.
Ela, tranqüilamente, de pé, lia na contra-capa de um livro de cor branca a sinopse do que continham aquelas páginas.
Sem dar muita importância àquela moça, foi embora sem ter encontrado o desejado livro.
*
Já havia ele quase terminado de comer o pastel. O café, com creme e pouco açúcar, estava à meia-xícara. Ela sentava-se à uma mesa próxima, sem vê-lo.
Observou-a desde o momento que adentrava no estabelecimento. Acompanhou seus movimentos, a difícil escolha entre o pão-de-queijo e a massa folhada de frango e catupiry. Decidiu-se e, num movimento certeiro, pegou o sanduíche natural. Dois passos à frente, à direita, estavam as bebidas aguardando a escolha. Esta foi fácil: foi direto ao natural suco de laranja extraído de uma máquina transparente.
*
Ele, agora, que já havia comido o pastel, elogiava mentalmente as mãos que fizeram aquela massa e prepararam o pastel, recheado por um ótimo queijo.
Enquanto aguardava o troco, ela ajeitou os cabelos, conferindo o resultado vendo-se em um vidro que continha o nome da cafeteria em letras imitando a grafia humana e um desenho de uma xícara, feitos a jato de areia, preso à parede, atrás da balconista, que lhe alcançava o troco, colocado na bolsa sem ser conferido.
*
O café já estava quase no fim, mas ainda quente. Bebeu-o, sentindo o gosto nos lábios um pouco lambuzados de creme, retirado com um hábil movimento da língua.
Já sentada, distraída, à mesa com lugar para quatro pessoas, que poderiam dispor-se em dois pares, um frente ao outro. Mas ela estava sozinha.
A cafeína já estava no sistema nervoso central quando ele teve um insight, um estalo, uma visão, e pensou, balbuciando até: Claro! É o destino! Só pode ser!
Levantou-se, decidido, certo do que o aguardava. Foi até a mesa dela, aproximou-se devagar, olhou-a.
*
Ela, percebendo aquele estranho à sua frente, ficou olhando para ele, e quando ia falar-lhe algo, ele disse:
- Foi o destino! Sempre soube que esse momento iria chegar... só pode ser isso!
- Mas... – tentou indagar ela, sem que ele a deixasse terminar o que mal começara a dizer. Ele acrescentou:
- Era como eu imaginava que seria. Você, eu... os sinais... as coincidências... o universo conspirando a favor, nos unindo... Não... Na verdade acho que não!
- Mas... – Tentou ela mais uma vez.
- Não, moça, nem precisa dizer. Já sei. Pra ser sincero também desconfiei... Ah! Tinha razão aquele pinguinho de dúvida... Não poderia ser! Desculpe o inconveniente, tenha um bom dia, e aproveite o sanduíche... Se houver apetite, experimente o pastel de queijo, está muito bom, mesmo.
- Mas...
Antes que ela conseguisse dizer, ele já havia saído, rapidamente por entre as mesas, chegando à porta, depois à rua e misturando-se entre outros transeuntes solitários e seus destinos tortos.
- Mas... – Pensou ela, sem conseguir concluir o que pensava...

11.8.06

Evolução do balcão

Hoje estava fazendo meu lanche no intervalo da aula e me dei conta de algo: o mundo é bem mais engraçado do que parece, é só prestar atenção.
Assim como nas tabernas de bem antigamente, essa lanchonete fica abaixo do nível da rua e do pátio da universidade e isso me fez pensar em nossa evolução: àquela época, as pessoas se reuniam para comer e beber em bares subterrâneos... hoje em dia, também;
àquela época as pessoas sentavam em mesinhas distribuídas pelo espaço do estabelecimento... hoje em dia, também;
àquela época as pessoas saíam do serviço (pesado) e iam para uma taberna, para relaxar, encontrar amigos, companhia, e gastar o dinheirinho tão suado... hoje em dia, também.
Entre outras coisas, essas eram algumas coisas que ocorriam há alguns séculos... e hoje acontecem da, mesma forma.
Nada mudou?
O que mudou é que a luz não é mais a da vela, mas a da lâmpada; o balcão não mais é de madeira de qualidade, mas de fórmica; a bebida, servida à temperatura ambiente, hoje é (normalmente) servida gelada;
Enfim, o que evoluiu foi o balcão, que hoje em dia tem uma calculadora moderna, um aparelho conectado a um sistema de cartões de crédito.
Mas, esperem, não é só isso, não! Ah! mas não mesmo! Há outros balcões, esses nem sonhados àquela época: a) o incrível balcão onde ficam os lanches, conservados quentinhos e saborosos; b) o surpreendente balcão que mantém as bebidas frias, geladas até; c) o balcão que contém uma máquina mágica em que só é preciso apertar um botão e esperar o café sair embaixo, quente e delicioso;
Bom, basicamente são essas as mudanças. As pessoas, sim, elas também mudaram: hoje em dia elas se sentem mais humanas que àquela época. E só.
É, realmente, o mundo é bem mais engraçado do que parece ser, basta observar bem. E rir.