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5.12.12

Ensaios


A noite se arrasta.
O dia se arrasta.
A vida se encurta.

Rastejo pela noite.
Seguro as pontas de dia.
Espero que tudo se acabe.

Preparo-me para a vida.
Ensaio seus atos.
Não percebo: já começou.

Vida, noite, dia, ensaios.
Dia, vida noite curta.
Noite, dia, vida, acabou!

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Por Marco Vicente Dotto Köhler, 2012

4.12.12

Estilhaços


Preciso alimentar minha existência.
De decadência, já estou cheio!
Cheio de vazio, cheio de nada.
E de tudo.

Os muros que construí
Para proteger meu coração
Já não protegem mais:
Só guardam os entulhos
Do que restou!

Ainda há espaços entre os estilhaços,
Que tento remontar a cada instante.
Instantes em pedaços,
Que vivo...

____
Por Marco Vicente Dotto Köhler, 2012

27.11.12

Sombras Desleais


Odeio o entardecer
Porque sinto que o dia se esvaiu;
Perdeu-se em meio a planos e sonhos
Que não se realizarão.

O amanhecer me desespera,
Por mostrar um horizonte
Em que não chegarei.
Não como sempre sonhei.

Chegamos tão perto
E agora já não nos olhamos.
Olhares que se imantavam,
Perderam seu poder de atração.

Tudo ficou tão frio de repente.
Mas já não queremos aquecer
Os mesmos cobertores que
Outrora fizemos de casulo.

Não odeio o entardecer
Apenas o vazio que se esconde
Em suas sombras desleais.
Vazio escuro que tento entender.

O amanhecer já não me desespera,
Traz consigo a esperança de aquecer
Todo o frio e iluminar e preencher
Toda escuridão e vazio que há em mim.

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Por Marco Vicente Dotto Köhler, em um dia qualquer... 

21.11.12

Acabou


As harmonias e melodias
Já foram todas compostas.
Os vãos de versos
De todos os tempos
Já foram preenchidos.

Heróis e ídolos todos
Foram deixados para trás.
Todas as belezas já foram apagadas.

Até a claridade perdeu
A beleza de clarear.
Não mais trás a luz,
Mostra as trevas
Das sombras, agora reveladas.

Não há mais o que ser feito,
Nem sombras onde se esconder.

Ande sob o sol.
Ande em círculos
Na busca pelo oásis,
Da sua miragem distorcida.

Beba sua água de areia,
Contemple tudo o que há!
Não há nada mais a ser feito.

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Por Marco Vicente Dotto Köhler, dois mil e...

Lendas


Vou gritar mais alto o que penso.
Ignorar dúvidas,
Escolher um caminho.
Tirar uma carta do baralho.
Esquecer poções, princesas e heróis.

Brindar à sombra eterna,
Que há de nos engolir sem piedade.
Contemplar o céu em chamas,
Ao entardecer nebuloso de nossa existência!

____
Por Marco Vicente Dotto Köhler, neste século. 

20.11.12

Sem fim...


te espero até tarde da noite,
até descobrir que você não irá ligar;
te espero por toda a vida,
para, quando finalmente encontrar,
perceber que você não virá!

olho para o espaço reservado para você no meu coração,
e ele continua vago;
percebo que você não quer estar aqui.

outra manhã se desenha e te espero até o anoitecer,
para perceber que você não estará aqui, nem aí,
nem em lugar nenhum;

te procuro em todos os lugares,
sabendo que não vou te encontrar,
mas a busca é tudo que tenho,
e não tenho nada sem você aqui;

já deveria ter aprendido há tempos que seria assim;
no fundo sempre soube qual seria o fim.
mesmo assim não canso de tentar encontrar
em algum lugar algum você que queira estar aqui...
_______
Por Marco Vicente Dotto Köhler, em...

12.11.12

O dia que a Terra girou.


Quando criança, não lembro ao certo a idade, talvez aos cinco ou seis, quando me foi ensinado que a Terra gira em torno do sol e também em torno de si mesma, fiquei absolutamente empolgado com aquelas informações. Achei fantástico.
Mas, de outro lado, aquilo criou em mim um desejo absurdo de conseguir ver a Terra girar. Estava decidido: eu conseguiria fazer aquilo. Iria ver a Terra se movendo.
Todos me disseram que não dava, porque estávamos na Terra e não seria possível ver tal giro. Mas ignorei tais comentários e comecei a tentar, por incontáveis vezes. Não sei quanto tempo tentei.
Um dia, num final de semana em que eu estava na casa do meu pai, sentei na grama ao lado da janela do quarto dele, onde ele dormia após o almoço, e fiquei concentrado nas montanhas no outro lado do Rio Uruguai.
Eu ia ver a Terra girar, e ponto final. Fiquei lá sentado, concentrado... até que.... nossa! Eu vi! Senhores, eu vi a Terra girar. Foi uma sensação indescritível. Senti-me um ser humano especial, dotado da capacidade de ver e sentir a Terra girar! Fiquei absolutamente extasiado.  E comecei a gritar por meu pai, pois queria que ele soubesse que eu tinha conseguido.
 - Pai! Pai! Paaai!!  - eu gritava ao lado da janela, sem mover os olhos das montanhas.
 Meu pai abriu a janela, com o humor característico de quem é acordado da sesta e perguntou o que tinha acontecido. Pedi que viesse para fora, para ver o que eu estava vendo. Era uma visão impressionante.
Ele veio, sentou ao meu lado e perguntou
 - o que tu está vendo, filho?
- pai, tu não vê? Eu consegui!
- conseguiu o quê?
- estou vendo a Terra girar, pai! Olha lá na ponta daquela montanha, que o pai vai ver também!
Nesse momento, meu pai, olhando para onde eu tinha dito, passou a mão da minha cabeça e falou:
- filho, não quero te desanimar, mas o que tu está vendo não é a Terra girar, mas as nuvens passando acima da montanha...
Eu não respondi. Fiquei quieto, pensando que não era um ser humano tão especial quanto pensava, que não tinha o super poder de ver e sentir a rotação da Terra.
Mas, foi bom assim. Melhor cortar pela raiz esse tipo de pensamento. Já pensou se meu pai tivesse deixado que eu acreditasse que era uma espécie de super-homem?

Por Marco Vicente Dotto Köhler, novembro de 2012

23.7.12

Insônia


Minha esposa tem insônia. Eu, estando quieto e escuro, durmo bem. Ela, não. Demora para dormir. Demora para querer dormir, eu acho. Não é tanto falta de sono, pelo que observo, e sim falta de vontade de dormir, de fechar ir para a cama, fechar os olhos e desligar as luzes daquele dia, esperando pelo próximo. Parece até que anseia por algum acontecimento ainda naquele final de dia, mesmo que já iniciado o dia seguinte, no relógio, pelo menos.
Apesar de já estar acostumado a isso, e a muitas vezes no meio da noite acordar e ela estar acordada, lendo ou vendo TV, no mudo, para não atrapalhar meu sono, somente para ter alguma coisa com que se distrair – ao invés de tentar dormir –, noites atrás aconteceu algo muito estranho, beirando a bizarrice.
A coisa foi estranha a tal ponto que até eu, bom de sono, não consegui mais dormir, tamanha foi a crise de riso que sofri.
Locomotiva?
Como quando estamos sonhando com algo por interferência de algum estímulo externo, normalmente algum barulho que acaba fazendo parte do sonho, nessa noite meu sonho foi acometido por barulhos um abafados, mas constantes e bem cadenciados, como um pistão acolchoado batendo em algo carpetado ou emborrachado, somado a uma espécie de válvula de escape de máquinas a vapor, mas sem estridente, só o vazar de vapor, com pouca pressão.
No meu sonho isso foi transformado em uma locomotiva, que, com o tempo, acabou me tirando do sono e me trazendo à tona, à cama, ao despertar.
Mas... que som era aquele?
Surpresa mesmo foi continuar ouvindo aquele som.  Ao vascular a cama e perceber estar só, virei para o lado de onde vinha o barulho e percebi, surpreso, que a onomatopéia a locomotiva era minha esposa, ao lado da cama, com pés de pistão e escape de respiração.
Não pude conter o riso ao vê-la ali, com uma concentração perturbadora, fazendo polichinelos aos pés da cama, enquanto olhava para a televisão sem som, com um pássaro de cabeça vermelha e olhos loucos fazendo atrocidades com um funcionário das empresas de telefone, que tinha os postes devorados pela árvore.
O que foi? Nunca viu alguém fazer isso antes?
Mas devorada mesmo foi a concentração dela pelo meu riso, que fez com que parasse de polichineliar e começasse a questionar:
 - o que foi? Nunca viu alguém fazer polichinelos antes?
 - já, claro que sim – respondi, em meio a gargalhadas.
- então, ta rindo de quê – o “de quê” foi dito com perigosa ênfase de mulher irritada, com as mãos na cintura e olhar amedrontador.
- é que... é que...
- para de rir!
- ai.. é que... – não tinha como responder àquela pergunta, era engraçado demais para ser inteligível e colocado em palavras.
- então!   Não vai me dizer onde está a graça? Ta rindo de quê?
- polichinelos! Isso é demais! Minha nossa!
- vai dormir, vai! E para de me incomodar!
- sim, vou tentar, mas... polichinelos?
- é, e daí?
- daí, que... ah... para de perguntar, que ta doendo minha barriga, de tanto rir... ah! Polichinelos! Rá rá!
- ai que saco! Não posso nem fazer polichinelos que já sou motivo de chacota e deboche!
- chacota? Deboche? Rá rá! Polichinelos!
- ai! Vou dormir! Deu!
- polichinelos...
Por fim, ela dormiu, e eu não consegui mais, pois a imagem dela fazendo polichinelos (po-li-chi-ne-los!!) foi demais para um mortal como eu conseguir voltar a dormir...
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Por Marco Vicente Dotto Köhler, julho de 2012

9.1.12

Águas passadas....

Como nossos sonhos

Ficaram para trás?

Esquecidos pelo caminho,

Trocados por outras paixões?


Passou nosso tempo,

Perdemos a hora.

Já não tem volta

Está tudo perdido...


Caminho por um tapete de flores mortas,

Que estavam tão vivas quanto nós.

E estamos nós agora tão mortos quanto elas.


Passado e presente se confundem

Na encruzilhada no caminho

De nosso olhar.


Somos águas passadas

No leito pedregoso desse rio

De sonho, desilusão e amor


Esperanças guardadas com carinho

Nos porões empoeirados

Da memória do meu ser!


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Por Marco Vicente Dotto Köhler