Mas, afinal, o que foi que aconteceu? Admitira para si o que já para alguns de seus amigos não era novidade: era ele viciado em escrever. Escrevia de tudo um pouco, desde um diário, o qual não era necessariamente “diário”, contos, crônicas, poesias... Enfim, escrevia o que tinha vontade de escrever.
Seu estado era tal que chegara ao ponto de acordar no meio da noite, de sobressalto, ligar a sua inestimável luz de leitura, à cabeceira da cama, e abrir seu caderno em busca de alguma página em branco, para escrever, não importa o que fosse.
Queria mesmo era ver sua letra rabiscada no papel, o que muitas vezes era produtivamente bom, pois, não raro, elaborava bons textos, e em outras servia apenas para saciar sua vontade irreprimível de escrever.
Mas, ultimamente, sua compulsão viciosa pela escrita estava causando-lhe preocupações, pois já estava começando a “pensar escrito”, ou seja: o que pensava ou dizia, ele “via” como se estivesse escrevendo-as no papel (ou no computador, ou na máquina de escrever...), visualizando em sua mente a pontuação, parágrafos, grafia, regras gramaticais, etc.
Estado realmente preocupante este em que se encontrava.
Outro grande passo: o segundo.
Após admitir tal vício, sua decisão foi a de participar de um grupo de, como ele, viciados em escrever, o “Anônimos Viciados em Escrever”, mais conhecidos pela sigla “AVE”.
Era chegado o grande encontro: o primeiro dia, a primeira reunião no AVE.
Chegou ao local das reuniões. Entrou na sala. Sentou-se. Foi saudado com um caloroso “boa noite, seja bem vindo”, de todos os seus novos companheiros, seguido de uma salva de palmas.
Uma das presentes, que estava à frente, em pé, anunciou o novo AVE – modo como chamavam uns aos outros os integrantes do grupo de apoio – e discursou sobre a importância do grupo na recuperação dos viciados em escrever; dos resultados do tratamento, que buscava ajudar as pessoas viciadas nesse terrível mal: escrever.
Ao final de sua apresentação de boas vindas a mulher convidou o novo participante – o novo AVE – a dar o primeiro passo rumo à libertação definitiva do vício de escrever, e disse-lhe: “escreva alguma coisa”.
Sem entender nada, mas feliz por poder escrever algo e ter a chance de poder fazer cessar os primeiros sintomas da abstinência da escrita, pegou o papel e a caneta que lhe foram alcançados e escreveu, deliciosamente, com todo o prazer que isso lhe proporcionava, um texto intitulado: “Vício, compulsão, ou nada disso?”
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Por Marco Vicente Dotto Köhler.